segunda-feira, 30 de junho de 2008

Por que Hillary Clinton não é a candidata democrata à presidência dos EUA?

Ivanaldo Santos
Filósofo (ivanaldosantos@yahoo.com.br)




Quando o no nome da senadora Hillary Clinton, do partido democrata, foi cogitado para ser a pré-candidata à presidência dos EUA pensava-se que ela seria uma candidata insuperável, falava-se até na “invencível Hillary”. Ela tinha todas as virtudes para unir os democratas e vencer o candidato republicano, independente do nome indicado por esse partido. Vejamos uma pequena síntese das suas virtudes: esposa do carismático ex-presidente Bill Clinton – o seu maior cabo eleitoral, líder feminista e modelo de todas as vanguardas culturais, amplo apoio da grande mídia – a mídia americana e ocidental (incluindo o Brasil) nunca conseguiu disfarçar sua “opção por Hillary” – amplo apoio dos astros da TV, do cinema dos intelectuais e grande quantidade de recursos financeiros para a campanha.
Os seus oponentes, incluindo o senador Barack Obama, eram apenas figurantes numa festa preparada para Hillary brilhar. O próprio Obama inicialmente desejava apenas antecipar a sua candidatura a governador do estado onde reside. Ele era o azarão na história. Sem dinheiro, sem apoio da grande mídia e dos astros da TV e do cinema. Praticamente o único apoio que ele poderia sonhar era da comunidade negra americana.
O problema começou logo no início da campanha a indicação do partido democrata. Como esperado Hillary ganhou as prévias realizadas, mas não com a grande margem de vantagem que os analistas esperavam. Lentamente, o nome de Obama cresceu outros candidatos desistiram da disputa e se aliaram a Obama e, por conseguinte, a crise se instalou na campanha de Hillary. Ela deixou de ser a “invencível Hillary” e passou a ser um candidato igual aos demais. A resposta inicial dada pelos analistas e jornalistas políticos foi que Hillary estava sofrendo o boicote do chamado “voto religioso”. Devido a suas posições contra o aborto, a favor do casamento gay e de outras vanguardas culturais o voto religioso estava migrando para Obama.
O que se ouviu na grande mídia americana e do Ocidente, incluindo o Brasil, foi que a culpa do crescimento de Obama e da constante decadência de Hillary foi do voto religioso. É como se a culpa de todos os problemas da campanha de Hillary fosse dos religiosos. Não se viu na grande mídia mundial, incluindo o Brasil, qualquer análise sobre as propostas de Hillary, afirmava-se apenas que a culpa era dos “religiosos”. Por esse raciocínio simplório bastaria que a mídia, juntamente com os astros da TV e do cinema, convencessem as pessoas que ou Deus não existe ou então poderia se votar em Hillary sabendo que Deus faria todas as suas vontades, afinal ela era a “invencível Hillary”.
Após o crescimento da campanha de Obama, o que se viu na campanha da senadora Hillary foi algo impensado, ou seja, um claro e visível apelo ao que se vulgarizou chamar de “valores tradicionais”. O mundo presenciou uma grande mudança no discurso e na performance política de Hillary. De repente ela começou a aparecer em público com o marido, o ex-presidente Bill Clinton, e as filhas (para passar a imagem que ela tinha uma família convencional), passou a chorar durante as entrevistas (para passar a imagem de uma mulher sofrida e oprimida) e a freqüentar igrejas (o que uma campanha eleitoral não faz). Numa dessas suas aparições dentro de templos religiosos, Hillary apareceu de joelhos diante de uma imagem da Virgem Maria. Logo a Virgem Maria que a senadora Hillary Clinton declarou, certa vez em uma entrevista, que se tratava apenas de “um modelo de mulher superada”.
A campanha de Hillary sofreu uma grande mudança: de campanha eleitoral vanguardista, com o apoio direto de intelectuais e astros da TV e do cinema, passou a ser uma campanha no estilo “terceiro mundo” com muitas orações e lágrimas. Entretanto, apesar dessa grande e inesperada mudança, Hillary deve que abandonar a campanha em nome do azarão Barack Obama. Ela terminou sua participação na campanha para indicar o candidato do partido democrata aos EUA com uma dívida superior a 22 milhões de dólares. Essa dívida não é o real problema. Porque aseu marido e os seus respectivos amigos milionários pagarão a dívida com uma certa facilidade. O problema é que nenhum analista político ou astro da TV e do cinema imaginou que a campanha de Hillary terminasse de forma tão lamentável.
Na grande mídia americana e, por conseguinte, mundial continua a ser dada a mesma e gasta explicação de sempre, ou seja, Hillary não é a candidata à presidência dos EUA por causa do voto religioso. Parece que ser religioso, ir a igreja aos domingos ou outro dia da semana virou uma doença ou uma grande maldição. Qualquer problema humano que houver, antecipadamente, já se tem o culpado, isto é, os religiosos, as pessoas que praticam alguma religião.
O fato concreto é que nem a grande mídia, nem os intelectuais e os astros da TV e do cinema não querem discutir a real causa da derrota inesperada da senadora Hillary Clinton. Seria demasiado extenso discutir essa causa, mas é preciso deixar um fato bem claro: a derrota de Hillary é apenas mais um pequeno capítulo do amplo fosso que existe entre a mídia, os intelectuais (presos dentro das universidades), os astros de TV e do cinema e o resta da população. De um lado, existe um grupo (mídia, intelectuais, astros da TV e do cinema) que pensa que suas idéias e seu estilo de vida é a melhor forma de se viver e, por isso, essa forma deve ser imposta, até mesmo com métodos autoritários, ao resta da população. Do outro lado, quase que oprimido existe o resto da população, a qual diariamente vê na grande mídia soluções mágicas para resolver os problemas do cotidiano.
O inesperado fracasso da campanha da senadora Hillary talvez seja o momento do grande grupo (mídia, intelectuais, astros da TV e do cinema) repensar seus valores, sua visão um tanto quanto artificial da realidade e se aproximar da população. Um primeiro passo de aproximação seria reconhecer que não se perde ou ganha uma campanha política simplesmente por causa do “voto religioso”. O voto religioso pode até influenciar, mas não é o único fator determinante. Além disso, é tempo de se parar de ver as pessoas religiosas com ares de preconceito, como se fossem “extraterrestres”. Numa sociedade que se fala tanto de inclusão, é tempo dos religiosos serem oficialmente valorizados.

domingo, 22 de junho de 2008

A ameaça do neostalinismo

Atualmente, nos meios de comunicação a palavra grega Neo, que numa tradução simples e direta significa “novo”, está na moda. Fala-se em neoconservador, neopagão, neosecular, neoliberal e outras expressões iniciadas com o prefixo “neo”. Entretanto, quase não se fala em “neostalinismo”.
O problema é que o neostalismo não é uma mera possibilidade teórica discutida dentro dos ambientes universitários. Ele é uma realidade que cresce no terceiro mundo, especialmente na América Latina. Para se entender o que é o neostalinismo é preciso ter uma visão, mesmo que introdutória, do que é a sua versão original, ou seja, o stalinismo. De acordo com o historiador Simon Sebag Montefiore, o stalinismo é o regime autoritário, de inspiração marxista, criado pelo ditador, da antiga União Soviética, Josef Stalin (1879-1953). Stalin permaneceu no poder durante 25 anos e instaurou um regime de terror. Acabou com as liberdades individuais e criou uma estrutura policial e militar de combate aos inimigos do regime. Instituiu punições que incluíam expurgos, trabalhos forçados, escravidão e assassinatos. Calcula-se que Stalin tenha sido responsável pela morte de 12 milhões de pessoas que de alguma forma se opunham ao seu poder.
Com o discurso populista de combate ao imperialismo ocidental, à pobreza e todas as demais formas de exploração social, Stalin expandiu militarmente o marxismo pelo leste europeu e conquistou países como, por exemplo, a Polônia, a Hungria e a República Tcheca. Ele transformou a Rússia numa superpotência militar e os povos conquistas em colônias empobrecidas.
Depois do fracasso da experiência stalinista no século XX, vive-se, no início do século XXI uma nova onda de stalinismo. O velho discurso, formulado no século XX, de combate ao imperialismo, de combate à pobreza e a outras formas de desigualdade social, está de volta. Entretanto, esse discurso não é mais proferido no leste europeu, mas em países pobres do terceiro mundo como, por exemplo, a Venezuela e a Bolívia.
De acordo com pensadores como Hannah Arendt e Isaiah Berlin, o stalinismo foi um regime de esquerda implantado na Rússia na primeira metade do século XX. Este regime era totalitário e autoritário e tinha quatro características principais. A primeira é o forte teor militarista e expansionista. O stalinismo é um regime militar agressivo que tem por objetivo conquistar outros países e implantar, nos países conquistados, a ideologia marxista. Países como, por exemplo, a Polônia, a Hungria e a República Tcheca foram vítimas da expansão militar stalinista.
A segunda característica é o forte teor burocrático. Praticamente tudo dentro da sociedade stalinista é controlado pela burocracia. O indivíduo torna-se refém da burocracia. A terceira característica é a forte vigilância e controle da vida privada das pessoas. Está vigilância é feita pelos diversos organismos de controle do pensamento, especialmente pelo serviço secreto. Na sociedade stalinista categorias muito preciosas ao homem moderno como, por exemplo, cidadania e liberdade, desaparecem quase que totalmente. A quarta e última característica é o rígido controle da economia. A propaganda oficial do stalinismo fala em distribuição da riqueza nacional e superação da pobreza, mas devido ao forte teor repressivo e centralizador da economia o que acontece, na prática, é que se cria um novo regime agrário e feudal. A indústria e as demais formas de produção econômicas modernas não se desenvolvem e, por conseguinte, ao invés de haver distribuição da riqueza nacional e superação da pobreza o que acontece é que é estabelecido um regime altamente hierarquizado, com a maioria da população empobrecida e uma elite de burocratas ricos.
É preciso compreender que o stalinismo não trouxe prosperidade nos países do leste europeu. Pelo contrário, implantou a repressão das idéias, o fim da liberdade, inclusive da liberdade religiosa, o atraso econômico e tecnológico.
Infelizmente, vê-se na atualidade um retorno do discurso stalinista. Este retorno é muito perigoso e ameaçador, tanto para as instituições republicanas como para as liberdades civis. Sinteticamente, apresentam-se cinco motivos para explicar porque o retorno do stalinismo é algo perigoso e ameaçador. O primeiro é que este retorno pode por fim ao frágil equilíbrio diplomático alcançado depois do acordo de não proliferação de armas no início da década de 1980. O neostalinismo representa uma remilitarização do Ocidente, trazendo como conseqüência o medo de um novo ciclo de guerras. O segundo argumento é que o mundo vive um ótimo e raro momento de crescimento econômico. Países pobres como, por exemplo, a China e a Índia experimentam um momento de desenvolvimento tecnológico, crescimento da classe média e inclusão social. O neostalinismo representa um retrocesso econômico e, ao contrário da propaganda oficial, o abandono da população mais pobre. O terceiro argumento é que a América Latina – especialmente países como Venezuela, Bolívia, Equador, Nicarágua e mais recentemente o Paraguai – não vai conseguir superar séculos de atraso econômico e social com um discurso ideológico que proclama como virtude a centralização burocrática, o endividamento do Estado e o empobrecimento da população. O quarto argumento é a questão do endividamento do Estado.
Os países do terceiro mundo enfrentam o sério problema da dívida externa e do endividamento interno. Este problema tem como conseqüência a perda da capacidade de investimento do Estado. A questão é que o neostalinismo ao invés de propor reduzir a dívida para investir no crescimento econômico, propõe o contrário, ou seja, aumentar a dívida do Estado com gastos no que se vulgarizou classificar de “projetos sociais”, que, na verdade, não passa da oficialização do rebanho de mendigos que vivem à custa do Estado, tal qual acontece, atualmente, em Cuba. É este rebanho de mendigos que dá sustentação política ao regime de repressão e autoritarismo do stalinismo.
Por fim, o quinto argumento é a supressão da liberdade. Um dos pontos centrais do stalinismo é a supressão da liberdade. Só há regime autoritário e duradouro se a liberdade for um privilegio de uma elite de burocratas e governantes. Com o retorno do stalinismo todas as manifestações de liberdade, incluindo a liberdade religiosa que é fundamental para a vida social, correm risco de desaparecer. Na Venezuela, o neostalinista Hugo Chavez limita a liberdade de imprensa e persegue a Igreja Católica. Mais uma vez a Igreja é perseguida durante um regime marxista. Na Bolívia, um clone da Venezuela, o neostalinista Evo Morales põe em prática política semelhante. Com o dinheiro oriundo das exportações de petróleo, Hugo Chavez, o Stalin da América Latina, pretende ampliar o neostalinismo para outras regiões, incluindo países de projeção mundial como é o caso do Brasil. Diante de um quadro como esse, pergunta-se: Quando a sociedade começará a discutir de forma séria o problema do neostalinismo? Estará o terceiro mundo, especialmente a América Latina, condenado ao atraso econômico e a supressão da liberdade? Viveremos uma nova onda de guerras e de perseguições realizadas por ditadores marxistas? Teremos uma repetição do regime de Stalin, onde todos os opositores do regime eram mortos ou condenados à prisão? Teremos o início de uma nova perseguição religiosa, tal como aconteceu no regime de Stalin? Estas questões precisam ser debatidas e levadas a sério.

Referências bibliográficas:

ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
BERLIN, Isaiah. Limites da utopia. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.
MONTEFIORE, Simon Sebag. Stalin: a corte do czar vermelho. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.